A senhora de laranja

Disse que se sentaria como quem pede licença. Claro, poderia se sentar. Não me opus. Uniforme cor de laranja madura mostravam cansaço também presente nos olhos, mas oposto ao sorriso cansado de quem se empolga na volta para casa numa tarde de domingo. Sentou-se, enfim. Enquanto aguardávamos o metrô na Estação Central de Brasília, a senhora mexia nas unhas decoradas com pinturas de flor à mão. Parecia um pouco desapontada com o resultado que o trabalho árduo deu no esmalte perolado. As flores combinavam com o uniforme, reparei – laranja e verde. Engraçado que essas duas cores sempre me lembraram de Halloween, provavelmente por conta das abóboras decoradas que nunca tive oportunidade de fazer. Fumei no Halloween. E bebi. Ressaca brava. Fumei muito ontem, inclusive. Mal consigo suportar meu próprio cheiro ou ter vontade de comer, mesmo com o estômago uivando de fome. Seria cigarro o problema do estômago ou a ressaca de cerveja de ontem que me fez enojar do cheiro de tabaco?

De qualquer forma, lá estava eu contrastando com a energia inocente da senhora de laranja, que agora procurava algo na mochila rosa-choque com a minúcia de uma artista pintando lágrimas numa tela. Queria eu ter tanta paciência. Não que eu seja tão impaciente assim, mas a ressaca coincidiu com o primeiro dia do meu período sangrento do mês. Aliás, já pararam para pensar que não existe lobisomem fêmea? Eu acho louco, até porque a lenda parece ser muito baseada no ciclo menstrual. Sério: lua cheia dura mais ou menos o mesmo tempo de um período médio. E justamente nessa época nós viro uma fera, refém do desequilíbrio hormonal. Não tem lógica? Todos os sentidos ficam mais aguçados (não como quando fumamos maconha ou algo assim); tanto que eu mesma estava subindo pelas paredes com minha própria nicotina. Que ideia imbecil foi a de fumar tanto. Será que a senhora também sentia o cheiro?

O metrô chegou tinindo, rasgando a terra como uma gigante toupeira metálica. 12h. As portas se abriram e o fluxo de mulheres se intensificou como sangue de menstruação no segundo dia de período. Eu, besta, fiquei para trás, pouco acostumada com a correria na capital. A senhora já estava na fila para entrar enquanto eu me levantava da cadeirinha de espera, ainda atordoada com o formigueiro feminino.

Apesar da minha lerdeza – e para minha surpresa -, entrei no vagão e ainda havia um lugar para que me sentasse; o único sobrevivente, ao acaso ou não, era o assento vizinho da senhora de laranja. Curiosamente, seus olhos sorriram ao perceber que ficaríamos lado a lado novamente. Será que já éramos amigas de metrô? Ou era apenas a alegria de encontrar alguém que não se importasse com aquele uniforme tão pouco discreto? Sorri de volta, mas com a boca.

11/2016

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